CRÔNICA - MOACYR SCLIAR
A Internet ensina-nos coisas, sim. Inclusive quando temos de pensar a respeito das armadilhas da Internet e de como evitá-las.
Alguém duvida que a Internet mudou a vida das pessoas? Não, ninguém pode duvidar disso. A Internet não é apenas um meio de comunicação ou de informação; é um jeito de viver, um novo jeito de viver, e a história do mundo vai se dividir em duas fases: AI (antes da Internet) e DI (depois da Internet). E ai do AI! A Internet subverteu totalmente a milenar idéia de que os mais velhos detêm o conhecimento. Agora, são eles que têm de aprender com os mais jovens, e não o contrário. Um aprendizado que, aliás, funciona. Num projeto conduzido nos Estados Unidos, adolescentes, orientados por professores de informática, prontificaram-se a dar aulas sobre computador e Internet para pessoas de idade. Ficaram, os veteranos, melindrados com a situação? Nada disso. Antes do treinamento, só 5% sentiam-se à vontade com Internet. Depois do treinamento, esta percentagem subiu para 80%. O vovô pode, sim, aprender com os netos. Vale para computador, vale para celular, vale até para controle remoto.Mas há um lugar em que a Internet está causando problemas: a sala de aula. No passado, era muito comum os professores pedirem aos alunos que preparassem, em casa, trabalhos sobre temas diversos. As pesquisas para isso eram feitas em bibliotecas ou em enciclopédias. No mínimo, os jovens tinham de copiar os textos. Agora, não. Agora eles simplesmente podem baixá-los da Internet. E podem contar para isso com o auxílio de empresas especializadas, que elaboram até teses de mestrado e de doutorado. A freqüência com que isso está acontecendo é muito grande, e os textos a respeito, que aparecem na própria Internet, dizem que, nos Estados Unidos, no mínimo 50% dos alunos admitem que já recorreram a esse tipo de fraude. Resultado: surgiu uma nova especialidade, a detecção de fraudes. Há até um programa de computador, o Turnitin, desenhado para detectar a cópia.Pergunta: será que isso vale a pena? Será que transformar os professores em êmulos da Polícia Federal será a solução do problema? Ou será que seria melhor pensar sobre as causas desse fenômeno? Em primeiro lugar, precisamos nos dar conta de que, como foi dito antes, copiar os alunos sempre copiaram, só que antes faziam isso à mão. Pode-se alegar que, desta forma, aprendiam alguma coisa, mas trata-se de uma afirmação questionável: copiar pode ser simplesmente uma coisa mecânica. O melhor é perguntar: qual deve, afinal, ser o característico de um trabalho de aluno? A mim a resposta parece óbvia. O trabalho do aluno, como o trabalho de qualquer pessoa - como este texto que vocês estão lendo - deve refletir o pensamento e as emoções de quem o elabora. Ou seja: o trabalho deve ser eminentemente pessoal. Deixem-me dar um exemplo tirado do ensino de medicina. Podemos pedir a um aluno que escreva sobre as relações médico-paciente, e aí, sem dúvida, ele encontrará na Internet montes de textos copiáveis. Ou podemos pedir que descreva um episódio de sua própria vida: uma doença que teve e o papel que o médico desempenhou então, com sua avaliação a respeito. Aí não tem como colar. Só a autenticidade resolve. E esta autenticidade será extremamente educativa para o aluno. Ou seja: a Internet nos ensina coisas, sim. Inclusive quando temos de pensar a respeito das armadilhas da Internet e de como evitá-las.
segunda-feira, 11 de junho de 2007
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